Olá pessoal, vi essa matéria originalmente publicada na Revista Mente Cérebro (Edição de Outubro 2013 - Matéria por Fernanda Teixeira Ribeiro) e decidi compartilhar com vocês.
Plantas tóxicas, fome, conflitos tribais, predadores – nossos ancestrais
sobreviveram a muitos riscos. Em um ambiente hostil, em que raramente
se ultrapassava os 30 anos de idade, era preciso estar atento a muitos
perigos para se proteger. Ao custo de sofrimento físico, perda de entes
queridos e toda série de dificuldades aprendemos, por exemplo, a evitar
alimentos de mau aspecto, andar por ruas desertas, desconfiar de
desconhecidos. “A psique humana evoluiu em face do medo. Temos uma
espécie de software – de milhões de anos, um pouco desatualizado talvez –
que traz informações necessárias para nos manter a salvo”, explica o
psicólogo Robert Leahy, professor da Faculdade Médica Weill-Cornell,
autor de Livre da Ansiedade (Artmed, 2011).
Adaptativo, o medo se inicia
quando reconhecemos uma ameaça e se dissipa logo que ela cessa. A
ansiedade, por sua vez, está associada a antecipação. Ela é natural e
nos prepara para enfrentar uma situação que nos desafia ou preocupa,
como provas, entrevistas, resultados de exames médicos. Nesses momentos,
é normal sentir o coração acelerar, a transpiração aumentar e mesmo
insônia. Quando o problema é resolvido ela vai embora. “Já a ansiedade
patológica não desaparece. Ela nos imobiliza e, para não ter de
enfrentá-la, fugimos das situações. É crônica e vem sempre acompanhada
de sintomas como palpitação, sudorese, tontura, sensação de
estranhamento, diarreia”, diz o psiquiatra Antônio Nardi, diretor do
Laboratório de Pânico e Respiração (LABPR) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). É considerado transtorno psíquico quando tem
duração, intensidade e frequência desproporcionais.
Em alguns
casos a ansiedade pode se manifestar em crise abrupta e intensa – um
ataque de pânico. Uma onda de sensações desagradáveis, como impressão de
asfixia, dor no peito, dormência dos membros, receio de enlouquecer ou
mesmo de morrer, que se inicia e atinge seu pico em poucos minutos. As
crises podem ocorrer de forma isolada ou ter relação com algum
transtorno de ansiedade. Ataques recorrentes, acompanhados pela
preocupação constante de sofrer outra crise – e as possíveis
consequências, muitas vezes imaginárias, que ela pode ter, como um
infarto ou morte –, caracterizam, segundo o Manual diagnóstico e estatístico de doenças mentais (DSM), um estado extremo de ansiedade: o transtorno de pânico (TP), também conhecido como síndrome do pânico.
Por
causa da semelhança com os sintomas de problemas cardiorrespiratórios,
muitas pessoas com ataque de pânico vão parar no pronto-socorro ou
passam
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6uXsyJO2TpyqJyz2JYHyIHKxR22ZERjfCMKN4G79XLkAi2Bdieqd9nCJZUMp2YpvUgbiOxy2dIAnxghlAupI7jEfZTSVnphcvkXujKyXCfVTBWfa7NiwNzLhc6kotgpLaAskhyHP2reM/s1600/em_panico__1__2013-10-28163728.gif)
por consultórios médicos de diferentes especialidades antes de
procurar um psicólogo ou psiquiatra ou ser encaminhadas. É três vezes
mais comum em mulheres e surge com mais frequência no início da vida
adulta. Em alguns casos, é acompanhado de agorafobia – o receio de ter
uma crise faz a pessoa começar a evitar lugares e situações em que,
acredita, é mais difícil escapar ou receber ajuda. Assim, tarefas
cotidianas, como usar transporte público rumo ao trabalho, fazer compras
no supermercado ou sair de casa sem companhia, tornam-se cada vez mais
difíceis. “É comum que parentes não compreendam o problema e acreditem
que ‘é coisa da cabeça’ de quem sofre e adaptem a rotina familiar para
que a pessoa não fique ou não saia só, o que pode parecer uma boa ajuda,
mas que acaba colaborando para a manutenção do transtorno”, diz a
psicóloga Marcele Regine de Carvalho, pesquisadora do LABPR.
O
transtorno de pânico não tem causa específica. O mais provável é que
seja resultado da interação entre herança biológica e fatores psíquicos e
ambientais, como o estresse. Ter um parente de primeiro grau com o
distúrbio é o principal fator de risco. Estudos com famílias, publicados
nos anos 80 no Archives of General Psychiatry, demonstraram
que pessoas com pai, mãe ou filho com transtorno de pânico têm oito
vezes mais chances de apresentar os mesmos sintomas.Pessoas com
predisposição genética são mais suscetíveis a ter o distúrbio
desencadeado por fatores externos, como algumas drogas. “São frequentes
crises que se seguem ao abuso de álcool ou uso de substâncias
recreativas, entre elas a maconha, e também de psicoestimulantes, como
anfetaminas e café em excesso”, diz o psiquiatra Márcio Bernik,
coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo (USP). Medicamentos anorexígenos (com
finalidade de emagrecer), corticoides e broncodilatadores também podem
induzir ataques.
PÍLULAS E CRENÇAS
O
tratamento com medicamentos e psicoterapia cognitivo-comportamental
(PCC) controla os sintomas em mais de 85% dos pacientes sem agorafobia –
resultados que se mantêm mesmo depois de interrompê-lo. “Os
medicamentos mais indicados são os benzodiazepínicos (ansiolíticos) e
antidepressivos. Muitos pacientes utilizam fármacos dos dois grupos,
para que sejam ministradas doses menores de cada, o que reduz efeitos
colaterais. A medicação bloqueia os ataques de pânico, abrindo caminho
para enfrentar situações temidas”, diz Nardi.
A PCC é uma
abordagem breve, que ajuda o paciente a perceber padrões de pensamento
que alimentam sua ansiedade e a aprender algumas estratégias para lidar
com ela no dia a dia. “A maneira como se avalia uma situação influencia
emoções, comportamentos e reações fisiológicas. Interpretações
exageradamente negativas ou catastróficas, causam respostas físicas
desproporcionais à realidade. Reestruturar pensamentos distorcidos é uma
forma de alterar emoções e atitudes”, diz Marcele.
Para isso, é
essencial compreender a ansiedade como um mecanismo de defesa: as
reações que desencadeia, embora assustem, não são necessariamente
perigosas e podem ser controladas. A hiperventilação – decorrente das
inspirações rápidas e profundas em uma crise de pânico, que pode
desencadear a parte “automática” de um ataque –, por exemplo, pode ser
amenizada com respiração diafragmática. De forma semelhante, exercícios
de relaxamento podem reduzir a excitação neuromuscular e a
hiperatividade cognitiva.
Estudos com testes respiratórios – como
hiperventilação voluntária e inalação de dióxido de carbono (CO2) para
induzir sintomas de pânico em laboratório –, aliás, demonstram que
pacientes com o distúrbio são excessivamente sensíveis a essas
alterações. Os núcleos da base (estruturas interconectadas com o córtex
cerebral, o tálamo e o tronco encefálico, onde são sintetizados
neurotransmissores), por exemplo, têm papel tanto na regulação da
respiração quanto no processamento de emoções primitivas, como o medo.
“Existe uma relação entre equilíbrio de neurotransmissores, pH do sangue
e sistema respiratório. Pacientes que hiperventilam antes de um ataque
de pânico podem aprender a bloquear a crise respirando adequadamente”,
diz Nardi.
PROVOCANDO SINTOMAS
Fugir ou
evitar situações que causam desconforto pode, em um primeiro momento,
trazer alívio. Por outro lado, porém, mantém intactas as crenças que
sustentam o medo. Uma segunda etapa da PCC, depois da reestruturação
cognitiva e treino para lidar com os sintomas, é a terapia de exposição.
Com orientação do psicólogo, o paciente faz exercícios que simulam
sintomas de ansiedade e também entra em contato com estímulos temidos.
“O objetivo é que ele consiga experimentar sintomas e habituar-se a
eles, para que qualquer mudança corporal percebida não dispare
necessariamente um ataque de pânico”, diz Marcele.
Correr no
mesmo lugar, respirar por um canudo fino, prender a respiração e
hiperventilar são exemplos de exercícios que simulam sensações físicas
de uma crise. Já a exposição a situações que despertam a ansiedade é
gradual e repetitiva, de modo a adaptar o paciente ao estímulo,
extinguir a resposta de medo e fazê-lo perceber que suas previsões
excessivamente negativas raramente se confirmam. É comum que o psicólogo
cognitivo faça também simulações imaginárias ou virtuais para adaptar o
paciente aos poucos. “Grupos de apoio também são importantes. Ajudam a
perceber que existem pessoas com problemas semelhantes e,
principalmente, que muitas melhoram. Para os parentes de quem tem o
transtorno é uma oportunidade para esclarecer dúvidas e preconceitos,
além de aprender estratégias de enfrentamento", diz Bernik.
“O
medo não é o sistema de navegação confiável que supomos. Ele se alimenta
de crenças irracionais, de ‘certezas’ que, na realidade, apenas tornam
nosso comportamento menos adequado, obscurecem nossas expectativas,
afetam drasticamente a qualidade vida”, diz Leahy. Será que todas as
nossas preocupações são importantes a ponto de ser preciso dar ouvidos a
todas elas para nos proteger? A ansiedade nos permite antecipar
problemas e soluções possíveis para evitar a dor e preservar nosso
bem-estar – apesar de parecer o contrário. Nas palavras do pensador
Sêneca, “há mais coisas que nos assustam do que coisas que efetivamente
nos fazem mal; afligimo-nos mais pelas aparências do que pelos fatos”.
ESTRESSE SOB CONTROLE
Congestionamentos,
demandas do trabalho, cuidar de si próprio e de outros. É possível
enumerar centenas de situações, apenas as mais corriqueiras, que
deflagram estresse e ansiedade. São parte do cotidiano da maioria das
pessoas. A diferença é a maneira como cada um lida com elas. Algumas
medidas que ajudam a gerenciar melhor essas emoções:
1. Exame dos pensamentos
O
psicólogo Robert Epstein, doutor pela Universidade Harvard, investigou
como mais de 3 mil pessoas lidavam com as pressões do dia a dia. Ele
descobriu que os que buscavam controlar pensamentos negativos – tentando
enxergar a situação de maneira mais condizente com a realidade ou de
perspectiva mais positiva – apresentavam menos sintomas de distúrbios
psíquicos. Segundo o pesquisador, pessoas com transtornos de ansiedade
tendem a antecipar problemas, superestimar sua importância e, mais
ainda, prever desfechos trágicos. “Reinterpretar os eventos da vida faz
com que eles deixem de nos incomodar tanto. A psicoterapia pode ser
crucial nesse processo”, diz.
2. Relaxamento
Não
faltam estudos que atestam os benefícios do ioga, de exercícios
respiratórios e técnicas de meditação. Meditar regularmente reduz os
níveis de cortisol, hormônio relacionado ao estresse, e fortalece o
sistema imunológico. Atividades de lazer também são importantes para
amenizar a rotina e tirar o foco das preocupações.
3. Atividade física
Mexer
o corpo melhora o humor. Atividade física regular estimula a produção
de neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, associadas às
sensações de bem-estar e de motivação. Além disso, exercícios ao ar
livre ou mesmo na academia de ginástica são boa oportunidade para sair
de casa e interagir socialmente. As relações sociais são importantes
para a manutenção do humor e da autoestima.
4. Alimentação
Dieta
rica em nutrientes mantém a saúde do corpo – e também da mente. O
endocrinologista sueco Fredik Nystrom, da Universidade de Linkoping,
estudou o humor de 18 voluntários que, durante um mês, comeram apenas em
lanchonetes – cardápio, claro, baseado em frituras e açúcar – e não
fizeram exercícios físicos. Conclusão: o aumento da irritabilidade e do
humor deprimido foi proporcional ao “estrago” na alimentação. Por outro
lado, alimentos ricos em ácidos graxos ômega 3, como peixes, abóbora,
semente de linhaça, soja, castanhas e, em menor quantidade, espinafre,
couve e pepino, estão associados à melhora do bem-estar.